Gravado por cantores como Chico Buarque e Leila Pinheiro, cancioneiro febril dos compositores cariocas foi alento para a MPB nos anos 1990. Capa do álbum 'Delírio carioca', de 1993 Arte de Mello Menezes ♪ MEMÓRIA – A morte de Aldir Blanc (1946 – 2020) na segunda-feira, 4 de maio, tem motivado justas exaltações da obra construída pelo compositor e escritor carioca em parceria com João Bosco no período que foi de 1972 a 1986. Esse cancioneiro lapidar de fato marcou a MPB, sobretudo ao longo dos anos 1970, década áurea da parceria. Mas é justo também reconhecer e exaltar a beleza singular do cancioneiro escrito pelo carioca Aldir para as intrincadas melodias do conterrâneo Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, o extraordinário compositor e violonista carioca conhecido como Guinga no universo da MPB. Quando Guinga teve as primeiras músicas gravadas, em 1974, a parceria de Aldir com João Bosco já estava no auge do sucesso e da consagração popular. Naquela década de 1970, Guinga construiu com Paulo César Pinheiro obra de menor visibilidade à qual a cantora Mônica Salmaso daria o devido valor 40 anos depois no magistral álbum Corpo de baile (2014). Alento para a MPB dos anos 1990, década em que o gênero já tinha sido posto à margem do mercado fonográfico, a parceria de Guinga com Aldir começou quando a de Bosco e Blanc já estava desativada. Ouvintes mais antenados ficaram assombrados com o alto padrão estético da parceria, formalmente apresentada em 1991 com a edição, pela gravadora Velas, do álbum Simples e absurdo, composto por onze músicas de Guinga com letras de Aldir Blanc. Com elenco encabeçado por Chico Buarque, solista da faixa Lendas brasileiras, o álbum Simples e absurdo flagrou um Aldir ainda mais solto nas letras delirantes, escritas com lirismo surreal para baiões, choros, frevos e valsas de modernidade atemporal. Ramo de delírios, aliás, era o título sintomático de uma das músicas do disco, apresentada na voz do cantor Claudio Nucci. A voz que abriu o álbum Simples e absurdo foi a de Leila Pinheiro, cantora que gravou Canibaile nesse disco e que, cinco anos depois, se mostraria determinante para a propagação da parceria de Aldir e Guinga além dos nichos com a gravação de álbum inteiramente dedicado às músicas da dupla. Intitulado Catavento e girassol, esse álbum foi lançado em 1996 e, impulsionado pela engenhosidade da canção-título, pôs Aldir e Guinga na boca de um povo mais exigente com a qualidade de letras e melodias. Capa do álbum 'Catavento e girassol', de Leila Pinheiro Reprodução Contudo, cabe lembrar que, três anos antes da fundamental contribuição de Leila Pinheiro, uma nova safra de composições da dupla (doze dentre as 14 músicas) veio ao mundo no álbum Delírio carioca, produzido por Zé Nogueira e editado em 1993 pela mesma gravadora Velas que apostara em Simples e absurdo (1991). Djavan abriu o disco, participando da música-título Delírio carioca. Mas a voz principal e o violão do disco foram os do próprio Guinga, intérprete de repertório que incluiu Canção do lobisomem, Par ou ímpar, Viola variada e Nítido e obscuro, além do registro original da já mencionada canção Catavento e girassol. Já livre das amarras da censura na época em que compunha com Bosco, Aldir se mostrou ainda mais despudorado ao encadear versos de rimas sempre inesperadas em letras febris. Contabilizando cerca de 100 músicas, a parceria de Aldir Blanc com Guinga também foi desativada por motivos inexplicáveis, tal como acontecera com a parceria de Aldir com João Bosco. Mas isso nada importa agora. Foi-se o poeta e ficaram na eternidade as obras dessas duas parcerias fundamentais para a consolidação do nome de Aldir Blanc Mendes no panteão dos imortais da MPB.