Influenciada por importação de plataforma pela Petrobras, alta dos investimentos no primeiro trimestre não anima. Retomada já estava muito lenta em alguns componentes do PIB; veja estimativas de economistas. A retomada da economia já vinha num compasso gradual e lento, com indicadores de crescimento tímidos. Com o solavanco trazido pela pandemia de coronavírus afetando todos os setores e trazendo incertezas para as atividades, ficou ainda mais distante a recuperação do que ainda não havia decolado. Indústria e investimentos são exemplos desse baque: no primeiro trimestre, o primeiro encolheu 1,4%, enquanto o segundo teve alta de 3,1%, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta dos investimentos surpreendeu, mas não animou: isso porque, segundo o IBGE, ela foi fortemente influenciada pela importação de uma plataforma de petróleo pela Petrobras – não pela retomada da confiança. Economistas ouvidos pelo G1 apontam setores que já não vinham engrenando e que terão mais dificuldades para retomar o crescimento pós pandemia. Investimentos A taxa de investimento ficou em 15,8% do PIB no 1º trimestre, acima do observado no mesmo período de 2019 (15%), mas ainda bem abaixo do patamar acima de 21% registrado em 2013. Para Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em economia do Insper, o que mais preocupa de fato são os investimentos. “O nosso investimento em 2019 foi 20% menor que o de 2014, o que é preocupante, porque uma economia que quer crescer precisa ter investimento, mais máquinas, equipamentos, mais tecnologia. E não é o que gente tem visto na economia brasileira nos últimos anos", diz. A taxa de investimentos, também chamada de formação bruta de capital fixo, inclui o que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação – mais investimentos permitem aumento da produção se houver demanda. Em meio ao rombo das contas públicas e colapso dos orçamentos governamentais, o ritmo de recuperação tende a ficar ainda mais dependente da participação do setor privado. “Quando a gente pensa no que vai acontecer no pós pandemia, temos uma encrenca muito grande pela frente, porque investimento só acontece se existem possibilidades ou previsões de crescimento que são boas para o futuro, e a pandemia coloca uma baita de uma incerteza sobre o que vai acontecer. E se a gente tem incertezas, ninguém vai querer investir aqui”, diz. Segundo a economista, com o investimento cada vez menor, a produtividade ficará comprometida, e a capacidade de crescimento será duvidosa. “É difícil de acreditar que o Brasil consiga voltar a crescer do jeito que deveria. Provavelmente em 2020 e 2021, o investimento será relativamente baixo. Sem um investimento decente, a gente não vai conseguir fazer reformas, e se a gente fizer, elas não serão efetivas e o Brasil não consegue sair dessa armadilha de crescimento baixo”, prevê. De acordo com Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB-FGV, apesar de crescer nos dois últimos anos a uma taxa anual média de 3,1%, a formação bruta de capital fixo ficou, no 4º trimestre de 2019, 26,3% abaixo do nível que era no 1º trimestre de 2014. Em 2019, o valor era 3/4 do seu valor máximo em 2013, e a taxa estava abaixo da média anual desde 1995. “O cenário de incertezas afastou os investimentos, já que as empresas seriam incapazes de fazer os cálculos econômicos necessários de qual seria seu lucro líquido após impostos. Além disso, não houve qualquer movimento no sentido de se iniciar um programa de concessões e privatizações de diversos serviços, executados de forma limitada nas três esferas do poder público. Portanto, não havia perspectivas de que a curva de investimento voltaria a seu já insuficiente patamar de 2013”, afirma. Taxa de investimentos em porcentagem do PIB no Brasil Editoria de Economia/G1 Para Margarida Gutierrez, economista e especialista em macroeconomia nacional e internacional, a performance dos investimentos estava associada à questão da aprovação de reformas que previam ajuste fiscal estrutural na administração pública, em especial três Propostas de Emenda à Constituição Federal (PECs) com a finalidade de equilibrar as contas da União, Estados e Municípios. “Havia ainda incertezas na aprovação de medidas de abertura da economia, um processo de privatizações, uma redução das tarifas de importação, projetos de construção para alargar os investimentos em infraestrutura, tudo que reúne condições para uma economia mais produtiva, mais eficiente, a chamada agenda de longo prazo”, afirma. Segundo ela, todas essas incertezas, especialmente em relação à agenda fiscal para completar o ajuste fiscal estrutural, acabaram minando ainda mais os investimentos, que estavam timidamente se recuperando. “É nesse quadro que a gente foi capturado pela pandemia. Então eu acredito que se essas duas agendas voltarem, a travessia vai ser mais fácil. Caso contrário, será mais difícil. A gente pode ter uma recuperação em L, uma economia que despencou e fica estagnada por um longo período”, comenta. Considera discorda. Para ele, com o cenário de baixo crescimento, antes da chegada da pandemia, a dúvida de se manter ou não a política econômica do ajuste fiscal hoje não serve para nada. "Voltaremos a anunciar que com as reformas e ajuste fiscal o crescimento voltará pujante, com base numa inundação de investimentos? Ninguém acredita mais nisso”, opina. Indústria Para Margarida, o ritmo de crescimento da indústria já vinha muitíssimo baixo. "A indústria não estava se recuperando, o que nos coloca velhas questões estruturais que vêm acompanhando a economia brasileira e afetando particularmente o setor. A falta de competitividade e de inovação técnica, isso tudo nos remete à discussão dos investimentos em tecnologia, como eles são fundamentais, e também a agenda da produtividade”, diz Juliana Inhasz destaca perdas significativas na indústria da transformação e da construção no PIB. "No final de 2019, a gente não tinha conseguido voltar aos valores pré-crise. No caso da indústria de transformação, comparando o último trimestre de 2019 com o mesmo período de 2014, em que já havia indícios de crise, a gente tem aí uma redução do valor do PIB nesse setor de 8,33%, que é bem significativo. Já a indústria da construção teve queda de 24%, levando em conta que em 2013 e 2014 houve um boom do setor, mas ainda assim a gente não consegue ter essa grande recuperação que se imaginava que fosse acontecer”, diz. “A indústria da transformação deve sofrer ainda mais, tanto do lado da demanda pelos seus produtos quanto da oferta. A gente vai ter dificuldade para colocar alguns produtos em circulação na economia porque muita gente vai ficar sem emprego, a renda vai diminuir, o hábito de consumo das pessoas está mudando”, afirma. Juliana destaca que os setores mais afetados serão aqueles não essenciais, como têxtil, calçados e automobilística. “Já estavam com dificuldade para decolar. A indústria automobilística vai sofrer horrores este ano, não tinha conseguido se recuperar, agora passa por uma dificuldade dez vezes maior, então deve ser uma indústria que vai demitir muito e fechar muitas concessionárias.” Comércio e serviços Para Juliana, os setores de comércio e serviços estavam tendo uma boa recuperação, apesar de na comparação com 2014 o desempenho ainda estar bem ruim. “O comércio perdeu bastante tração nesses últimos anos, mas olhando o crescimento de 2019 frente a 2016, 2017 e 2018, a gente estava num caminho relativamente positivo. Só que com a pandemia que traz o aumento do desemprego e redução da renda, teremos redução da quantidade de bens e serviços e, naturalmente, o comércio deve sofrer bastante. A gente está vendo pequenos negócios fechando as portas, muita gente falando que não vai conseguir reabrir, enfim, a gente já tem uma situação bem triste se desenhando.” A economista do Insper destaca perdas mais significativas em serviços não essenciais, como estética e beleza. “Todos os serviços pessoais, ligados à beleza, vão sofrer. Diferente dos ligados à saúde, que devem ganhar bastante espaço, especialmente no pós pandemia. Outro setor é o de turismo. Estava tentando se recuperar, este ano já estava sofrendo com variação cambial, e sofre muito mais agora com efeitos de isolamento, pandemia e pessoas que não podem viajar”, diz. Consumo das famílias e emprego De acordo com Juliana Inhasz, apesar de o consumo das famílias estar apresentando uma lenta recuperação, em 2019 a taxa ainda era menor frente a 2014. “Não tínhamos conseguido recuperar completamente frente à pré-crise, mas havia uma trajetória de melhora”, diz. Considera informa que, nos últimos 3 anos, a economia cresceu fortemente baseada no consumo das famílias e, em 2019, o consumo de serviços foi responsável por 61% desse crescimento. “O consumo das famílias, já há mais de ano, vinha fortemente baseado em serviços mais do que em bens de consumo duráveis, demonstrando certa incapacidade para novos endividamentos. Com a pandemia, essa incerteza é ainda maior e não será fator impulsionador da retomada do crescimento”, salienta. Para ele, esse comportamento mostra a fragilidade estrutural da economia brasileira, baseada quase unicamente em consumo, com aumento da importância do consumo de serviços. “Fica difícil sustentar que, a longo prazo, um crescimento robusto da economia poderia ser sustentado com essa estrutura que foi muito incentivada por medidas pontuais de estímulo à economia, como a liberação do FGTS”. Juliana prevê que a taxa de desemprego chegue a 16 ou 17% – atualmente a taxa está em 12,2%. “A gente está falando de uma massa de desempregados elevada, com muito menos salários e renda dentro da economia, e isso deve fazer com que as famílias tenham que consumir bem menos. Então se isso de fato acontecer, o consumo das famílias, que ainda não tinha se recuperado completamente, cairá bastante”, prevê. Desempenho do mercado de trabalho no 1º trimestre Aparecido Gonçalves e Fernanda Garrafiel/Editoria de Arte G1 Claudio Considera cita estimativas de que o desemprego poderá atingir até 21 milhões de trabalhadores no final do ano. Segundo ele, não se concretizaram as expectativas dos mentores da política econômica de que as reformas da previdência e tributária e o ajuste fiscal seriam a receita para a retomada do crescimento, trazendo investidores privados que substituiriam os investimentos do governo. “O resultado desse fracasso foi um aumento do desemprego, principalmente das pessoas de menor poder aquisitivo com poucos recursos para queimar durante sua perda de renda. Com a pandemia e as perspectivas de recessão econômica, o desemprego atingiu empregados formais e informais, notadamente os das micros e pequenas empresas do setor de serviços, responsável pela maior parte do emprego”, diz. Initial plugin text