Capa do álbum 'Noel Rosa na voz romântica de Nelson Gonçalves', de Nelson Gonçalves Reprodução ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Noel Rosa na voz romântica de Nelson Gonçalves, Nelson Gonçalves, 1955 ♪ Em 1955, o gaúcho Antônio Gonçalves Sobral (21 de junho de 1919 – 18 de abril de 1998) já era Nelson Gonçalves – ou seja, um dos maiores e mais populares cantores do Brasil naqueles anos dourados – quando foi convidado a gravar álbum com o cancioneiro do compositor carioca Noel Rosa (11 de dezembro de 1910 – 4 de maio de 1937), um dos pilares do samba da cidade do Rio de Janeiro (RJ) quando, ao longo dos anos 1930, o gênero viveu processo de transição do morro para o asfalto. Duas circunstâncias mercadológicas geraram o convite para o disco intitulado Noel Rosa na voz romântica de Nelson Gonçalves e lançado pela RCA-Victor, gravadora na qual o cantor registrou toda a obra em trajetória fonográfica iniciada em 1941 e concluída em 1997, um ano antes da saída de cena do intérprete, a dois meses de completar 79 anos. A primeira é que a obra de Noel Rosa – que ficara incrivelmente esquecida ao longo da década de 1940 – estava em fase de redescoberta e de revalorização nos anos 1950, alcançando novas gerações de ouvintes. A segunda é que o LP de 10 polegadas – em bom português, um álbum com oito faixas – começou a ganhar forma no mercado fonográfico brasileiro em meados daquela década de 1950, sem ameaçar, num primeiro momento, a primazia dos discos de 78 rotações por minuto. Era nesse formato de 78 rpm que, até então, Nelson Gonçalves vinha registrando em disco a viril voz de barítono que começara ser notada pelo Brasil em 1942 com a gravação do fox-canção Renúncia (Roberto Martins e Mário Rossi), primeiro de muitos sucessos deste cantor de multidões apelidado de Metralha pela gagueira que desaparecia na hora do canto. Com afinação e emissão exemplares, a voz de Nelson Gonçalves estava mais identificada com o repertório folhetinesco dos compositores sobressalentes nos anos 1940 e 1950 – como Benedito Lacerda (1903 – 1958), David Nasser (1917 – 1980), Herivelto Martins (1912 – 1992), Mário Rossi (1911 – 1981) e Roberto Martins (1909 – 1992) – do que com o então esquecido samba urbano de Noel Rosa. Contudo, havia elo – o romantismo – que conectava a voz grave do cantor ao cancioneiro do compositor de Último desejo (1937). Não por acaso, esse ponto de ligação foi enfatizado no título do LP Noel Rosa na voz romântica de Nelson Gonçalves. Nesse primeiro dos 57 álbuns da vasta discografia, gravado com a opulência orquestral típica da era do rádio, o cantor mostrou, na gravação de Com que roupa? (1933), que sabia cair no samba mais sincopado de Noel – com a segurança vocal que assombrava produtores musicais e técnicos de estúdio – sem deixar de enfatizar no disco a maestria do compositor na arte do samba-canção. Não por acaso, o lado A do LP abriu com o já mencionado samba-canção Último desejo, derradeira obra-prima do cancioneiro de Noel nesse gênero romântico. Embora tenha repetido o erro recorrente na interpretação da letra ao cantar o verso “Que meu lar é um botequim”, em vez do correto “Que meu lar é o botequim”, Nelson acertou o tom melancólico desse grande samba-canção. Sem carregar no melodrama, o cantor também brilhou ao dimensionar corretamente a tragédia afetiva contada nos versos de Quando o samba acabou (1933), joia rara lapidada na abertura do lado B do LP. Se Coração (1931) pulsou na batida mais tradicional do samba, Só pode ser você (1935) – título menos conhecido da parceria de Noel com o paulistano Oswaldo de Almeida Gogliano (1910 – 1962), o Vadico – reverberou melancolia mais próxima de uma seresta do que de uma roda de samba. E cabe ressaltar que, tanto Coração como Só pode ser você, eram músicas que nunca mais tinha sido gravadas desde os anos 1930 até ganharem a voz lapidar de Nelson Gonçalves neste álbum histórico. Da parceria de Noel com Vadico, o cantor também reviveu Feitiço da Vila (1934). E, se algum ouvinte por acaso duvidava da habilidade de Nelson no canto do samba, a gravação de Palpite infeliz (1935), repleta de sincopes manemolentes no arranjo orquestral, atestou a versatilidade do cantor nesse terreno. Nelson também soube fazer Silêncio de um minuto (Noel Rosa, 1935) com a solenidade valorizada na época. Ainda que o álbum Noel Rosa na voz romântica de Nelson Gonçalves soe coeso, o LP se tornou um dos menos conhecidos da discografia do cantor, mesmo tendo sido reeditado em 1971 com outra capa, outro título – Nelson interpreta Noel – e quatro faixas adicionais. É que, a rigor, a voz de Nelson Gonçalves sempre esteve mais para a veia popular dos cancioneiros de Adelino Moreira (1908 – 2002) e Herivelto Martins do que para Noel Rosa – o que somente agrega valor a este LP de dez polegadas em que Nelson Gonçalves interpretou (muito bem) Noel Rosa.