Ao G1, cantora fala sobre desigualdade no país, rotina na quarentena e mensagem que quer passar com músicas. Ouça podcast com entrevista. Elza Soares não gosta de aniversários e a chegada aos 90 anos não a fez mudar de ideia. "Acho que é tudo igual, eu não sou de festejar muito não. Só tem diferença com o carinho de vocês. Isso é diferente", diz Elza ao G1 (ouça no podcast acima). A data exata do nascimento é controversa e dois momentos são celebrados: nesta quarta (22), dia que está em sua carteira de identidade, e em 23 de junho, data que aparece na certidão quando foi emancipada. Mas, para ela, isso não faz diferença, o que importa é a música. Neste mês de aniversário, ela lançou "Juízo Final", de Nelson Cavaquinho, em junho, e a inédita "Negão Negra", com Flávio Renegado será lançada na sexta (24). A música do rapper mineiro com Gabriel Moura é mais um protesto sobre o racismo estrutural e a sociedade desigual no Brasil. "Vim do planeta fome e continuo no planeta fome. É um país desigual, é uma coisa horrível, a gente vive nisso", diz a cantora ao relembrar o episódio em que foi constrangida por Ary Barroso no programa de calouros que participou nos anos 50. Elza Soares na capa do disco 'Sambas & mais sambas', de 1970 Divulgação Elza também falou sobre a diferença na reação de ações policiais violentas contra pessoas negras no Brasil e nos Estados Unidos, depois da morte de George Floyd: "O povo aqui não está nem aí. É mais um que vai embora. Lá não, eles protestam, é bonito, é forte. Acho que lá está certo." "Tem que gritar mesmo tem, tem que falar, tem que botar a boca no trombone, tem que gritar." Carreira sem rótulos Elza Soares passa quarentena no apartamento de Copacabana Divulgação/Pedro Loureiro Elza Gomes da Conceição começou cantando sambalanço com "Se Acaso Você Chegasse" em 1959, e se dedicou ao gênero nos anos 60. Nos 34 discos lançados até 2019, ela se aproximou do samba, do jazz, da música eletrônica, do hip hop, do funk e diz que a mistura é proposital. "Eu sempre quis fazer coisa diferente, não suporto rótulo, não sou refrigerante", compara Elza. "Eu acompanho o tempo, eu não estou quadrada, não tem essa de ficar paradinha aqui não. O negócio é caminhar. Eu caminho sempre junto com o tempo." MAURO FERREIRA: Elza Soares faz 90 anos com pleno reconhecimento e com discografia ainda a ser descoberta O último disco lançado foi "Planeta Fome" em 2019, e ela diz que não tem planos concretos para outro álbum neste ano. "Ainda não, mas vai surgir. Minha cabeça não para, cara", afirma Elza. A única certeza é que não vai parar de cantar: "Nem de brincadeira. Parar por quê? Por que parar? Não tem porque né?". Elza Soares na capa do álbum 'Elza pede passagem', de 1972 Reprodução Quarentena produtiva Antes do isolamento começar, a cantora viveu momentos de grande emoção no carnaval ao ser homenageada pela Mocidade Independente de Padre Miguel no Rio e pelo bloco Acadêmicos do Baixo Augusta em São Paulo. Desde março, os dias estão mais tranquilos e ela tem ficado no apartamento no Rio, ouvindo Chet Baker e recebendo a visita de filhos e netos. Ela também chegou a fazer lives em casa, mas diz que a sensação é estranha e que o palco faz falta. "Eu tenho saudade do palco, lógico. É a minha vida, o meu mundo está ali", diz. Como não há outra opção no momento, Elza comemora o aniversário em uma transmissão neste sábado (25). Questionada se sente medo da pandemia do novo coronavírus, a cantora responde na lata: "Nada me assusta, tudo me apavora". "Eu vejo que o ser humano é muito nada. Não somos absolutamente nada. Somos uma folhinha de papel, qualquer gota d'água desmancha. O povo não acredita, ainda não entendeu a fraqueza que ele é. A gente precisa entender que nós somos nada", explica. Na rotina da quarentena, a fisioterapia e o banho de sol nua também tem espaço reservado e ela diz que não está parada. "Tenho feito fisioterapia, faço música, faço tanta coisa nesse meu silêncio que é um silêncio barulhento, entendeu? Estou fazendo muita coisa mesmo", diz Elza. Sociedade melhor pós-coronavírus? Elza Soares durante desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel no carnaval 2020 Marcos Serra Lima/G1 A cantora opina que esse momento deveria servir para a sociedade ser mais altruísta: "São sinais que o ser humano tem que aceitar, ouvir, respeitar, se cuidar, olhar mais um pro outro". "A gente tem mania de andar de cabeça baixa e não olhar para o próximo. Estamos no momento de olhar para o próximo, vamos olhar, vamos nos ver", explica. Otimista, ela acredita que o saldo desse período de pandemia deve ser positivo. "Tem que sair melhor, para pior não adiantava nada então. Sofrer tudo outra vez? Não. Acredito na sociedade. É daqui para melhor", opina. Aos 90 anos, a cantora diz que a mensagem que quer passar com as músicas desde o começo da carreira mira dois sentimentos: "Fé e amor. Você tendo fé, você tem tudo. Você tendo amor, você não precisa de mais nada". "Que Deus abençoe a todos e tenhamos, meu Deus, daqui pra frente dias melhores, sem medo, sem susto e vamos que vamos. Sempre aprendendo a lição." Elza Soares completa 90 anos festejando seu lema: ‘Meu tempo é agora’