Para OAB, medida provisória do governo viola a Constituição por colocar em risco o direito à privacidade dos cidadãos. IBGE diz que medida é importante para coleta de dados em pesquisas. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (7), por dez votos a um, manter suspenso o repasse de dados de pessoas físicas e empresas por companhias de telefonia ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), previsto em medida provisória do governo federal.
O repasse tinha sido suspenso em março pela ministra Rosa Weber, relatora de ações que chegaram à Corte contra a medida.
A Ordem dos Advogados do Brasil, autora de um dos cinco pedidos, afirmou que a MP coloca em risco o direito à privacidade dos cidadãos, o que viola a Constituição.
Os ministros entenderam que, embora a coleta de estatísticas seja importante, o compartilhamento de dados pessoais conforme previsto na MP não garante o sigilo dos dados.
Segundo o governo, os dados seriam usados para "entrevistas em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares”.
O IBGE afirmou que as informações são importantes para a "continuidade da coleta das pesquisas e dos trabalhos desenvolvidos junto à área da saúde".
Ações no STF questionam acesso do IBGE a dados de pessoas e empresas
Votos dos ministros
No voto no qual defendeu a suspensão, apresentado nesta quarta (6), a ministra Rosa Weber argumentou que a MP não definiu como é feita a coleta de dados e como eles serão utilizados, tampouco se serão mantidos em segurança.
“A MP 954/2020 não apresenta mecanismo técnico ou administrativo apto a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida, seja na sua transmissão, seja no seu tratamento. Limita-se a delegar a ato do presidente da Fundação IBGE o procedimento para compartilhamento dos dados, sem oferecer proteção suficiente aos relevantes direitos fundamentais em jogo”, afirmou.
Segundo a ministra, “ao não prever exigência alguma quanto a mecanismos e procedimentos para assegurar o sigilo, a higidez e, quando o caso, o anonimato dos dados compartilhados, a MP não satisfaz as exigências que exsurgem do texto constitucional no tocante à efetiva proteção de direitos fundamentais dos brasileiros”.
Na continuidade do julgamento, na sessão desta quinta, os demais ministros apresentaram seus votos.
Para o ministro Edson Fachin, não houve comprovação de que protocolos de segurança tenham sido melhorados.
O ministro Alexandre de Moraes também argumentou que não há “desconfiança em relação ao IBGE”, mas que é preciso respeitar o princípio da impessoalidade e que há a necessidade de “mecanismos protetivos para evitar violação na propagação desses dados”.
Ao acompanhar o voto da relatora, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu o debate sobre dados e estatísticas para que haja pesquisas demográficas, mas que em meio a uma sociedade tomada por notícias falsas, não há como permitir o compartilhamento.
“O risco do uso indevido desses dados sobretudo para fins políticos. Nós temos no Brasil uma compreensível desconfiança sobre o Estado em geral porque o passado condena”, afirmou.
O ministro Luiz Fux também afirmou que a MP é de uma “vagueza ímpar” que pode servir a “absolutamente tudo”. “Ela é perigosíssima”, argumentou.
O ministro Ricardo Lewandowski também acompanhou a relatora e destacou que os dados podem ser usados em larga escala, e manipulados, “para o bem e para o mal”.
“O maior perigo para a democracia nos dias atuais não é mais representado por golpes de Estado tradicionais, perpetrados com fuzis, tanques ou canhões, mas agora pelo progressivo controle da vida privada dos cidadãos, levado a efeito por governos de distintos matizes ideológicos mediante a coleta maciça e indiscriminada de informações pessoais, incluindo, de maneira crescente, o reconhecimento facial”, afirmou o ministro.
Em seguida, o ministro Gilmar Mendes reforçou que a decisão do Supremo trata da proteção individual como um todo. “Há a possibilidade enorme de manipulação desses dados”, disse.
A ministra Cármen Lúcia afirmou que ainda que a sociedade de hoje depende de dados e que acabam levando a uma modificação enorme na convivência pelo uso indevido. “Ainda ontem fiquei sabendo que há quatro, cinco perfis no Facebook que eu não tenho”, disse.
Cármen Lúcia destacou que o julgamento em nada desmerece o IBGE, mas afirmou que o compartilhamento de dados conforme a MP não respeita o direito à privacidade.
O ministro Marco Aurélio Mello divergiu e disse que a medida é um ato “precário e efêmero” porque vai ser submetida ao Congresso Nacional. “Mas, no Brasil, há judicialização de tudo”, criticou.
Mello afirmou ainda que a MP foi justificada pela pandemia, em razão da impossibilidade de as pessoas darem entrevistas ao IBGE pessoalmente e que a autarquia é “merecedora da confiança nacional”.