
Possibilidade de o BC comprar títulos foi autorizada pelo Congresso por meio da PEC do 'orçamento de guerra', como mais uma medida para combater a crise gerada pelo coronavírus. O diretor de Política Econômica do Banco Central, Fabio Kanczuk, afirmou que o BC brasileiro não tem por objetivo usar o processo de compra de títulos públicos, autorizado recentemente pelo Congresso Nacional, para estimular a economia e buscar a meta central de inflação no ano que vem.
"'Quantitative easing' como política monetária [busca pela meta de inflação], não. Não é o que o BC tem na cabeça", declarou ele, durante videoconferência com investidores promovida por uma instituição financeira nesta sexta-feira (22).
O 'quantitative easing' é o termo usado no mercado financeiro e que significa a compra de títulos de empresas públicas e privadas por bancos centrais. Essa ferramenta vem sendo usada, por exemplo, pelos bancos centrais dos EUA e da Europa para combater crises recessivas e estimular a economia em situações de inflação abaixo da meta.
Nesses países onde o chamado QE está sendo usado os juros básicos já estão em patamares baixíssimos, ou seja, os bancos centrais locais não podem mais contar com corte nos juros para estimular a economia.
A discussão sobre a compra de títulos de empresas pelo BC acontece em um momento em que a economia brasileira enfrenta os reflexos da pandemia do novo coronavírus, com forte queda do nível de atividade. Esse cenário têm levado a forte queda da inflação, que deve ficar abaixo do piso de 2,5% fixado para 2020.
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Para tentar estimular o nível de atividade, e evitar que a inflação fique abaixo do piso também em 2021, o BC tem reduzido a taxa básica de juros nos últimos meses. Atualmente, a taxa Selic está em 3% ao ano, e a instituição indicou que pode reduzir a taxa básica da economia para 2,25% ao ano em meados de junho.
Ao mesmo tempo, o Congresso Nacional promulgou, no começo deste mês, a PEC que cria o chamado "orçamento de guerra", destinado exclusivamente a ações de combate à pandemia de coronavírus.
Na PEC, o BC foi autorizado a comprar títulos de empresas para injetar recursos em empresas que enfrentam dificuldades financeiras durante a crise do coronavírus.
Esse movimento ajudaria as empresas que passam por dificuldades de buscar recursos no sistema financeiro, ou no mercado de capitais, por conta da pandemia do coronavírus.
Deste modo, o diretor do BC está dizendo que o objetivo da instituição, ao comprar esses títulos, será justamente o de ajudar a combater o problema de falta de crédito, mas não buscará um processo mais amplo de estímulo à economia – como faz o BC dos Estados Unidos.
Reflexos no câmbio
O diretor do BC, Fabio Kanczuk, avaliou que essa estratégia de estimular a economia por meio da compra de títulos privados, utilizada pelo Federal Reserve (o BC norte-americano) nos Estados Unidos, poderia gerar uma disparada maior do dólar no Brasil – e, também, resultar em problemas para as empresas endividadas nesta moeda.
"QE [quantitative easing] teria o mesmo impacto sobre o câmbio, ia distorcer na curva os preços de mercado. A gente não quer distorcer", declarou ele, explicando que, nos Estados Unidos, não há o "prêmio de risco" sobre a curva de juros, ao contrário do Brasil. Ele lembrou que a curva brasileira é mais alta pois embute esse "prêmio" por conta, também, do risco fiscal, ou seja, dos rombos bilionários sucessivos nas contas públicas brasileiras.
"O Brasil tem outro componente [em relação aos EUA], o prêmio de risco. Você não pode impedir o mercado de expressar esse prêmio de risco na curva. Se não expressar na curva de juros, vai expressar em outro lugar, no câmbio. O BC não vai fazer isso aí. QE [quantitative easing] tem várias desvantagens e não tem a suposta vantagem que é não afetar outros ativos financeiros, em especial o câmbio", explicou o diretor do BC.
Piso para a Selic
Kanczuk lembrou que, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que reduziu os juros básicos para 3% ao ano, houve uma discussão sobre a "potencial existência de um limite efetivo mínimo [um piso] para a taxa básica de juros brasileira".
Nesta sexta-feira, o diretor explicou que esse suposto piso seria variável, "uma conta interpretativa e dinâmica, que vai mudando com o tempo", tendo por base o "prêmio de risco" na curva de juros, relacionado com os problemas fiscais brasileiros, e considerando seu impacto em ativos financeiros, como na taxa de câmbio (uma Selic menor diminuiria atratividade as aplicações financeiras no Brasil, e poderia gerar uma saída de recursos do país, estimulando uma alta maior do dólar).
"A questão é menos uma mudança significativa, é uma questão de risco, de questionar se os juros a partir de um certo ponto pode gerar malefícios para a economia", declarou ele, explicando que, no Brasil, poderia haver riscos para empresas endividadas em dólar – que veriam sua dívida crescer mais, na medida em que a moeda norte-americana subisse.
"Empresas podem estar em risco com depreciação cambial abrupta, algo que aconteceu já no Brasil e em outros países no mundo. O BC tem dados e acompanha isso. Não vendo problemas, tudo está parecendo ótimo, mas é um questão de risco. O quanto quer apertar esse botão [reduzir muito os juros básicos podendo gerar alta maior do dólar]? Pois ninguém tem certeza o que pode acontecer a partir de um determinado ponto", explicou.
Repasse cambial aos preços
Por fim, mesmo com o nível de atividade em forte retração e com os juros básicos na mínima histórica de 3% ao ano, o diretor do BC avaliou que a disparada do dólar resulta, sim, em reajustes de preços – o chamado "pass through" (repasse) do câmbio para a inflação.
Isso porque produtos e serviços cotados em dólar ficam mais caros com a alta da moeda. "Entendo que o 'pass through' existe, está vivo aí, é um risco para a questão inflacionárias. O que eu quero dizer é normal fazer estimativas de quanto mexeu o câmbio e influenciou na inflação", disse ele.
Acrescentou que essa alta recente do dólar não está impactando os preços porque a queda da taxa Selic neutralizou esse movimento.
"Isso se dá via credibilidade forte [da política monetária do BC]. As expectativas [de inflação] ficam paradas mesmo com a alta do câmbio. Parece que o 'pass through' desapareceu quando está lá vivo. Vai ver se parar de atuar na política monetária como você vinha atuando. O 'pass through está aí, é uma questão premente, e estamos prestando atenção a ele', concluiu.