
Em entrevista ao G1, viúva de Hector Babenco fala sobre dirigir documentário que retrata últimos anos do argentino: 'não existe chapa-branca, mas eu entrei nessa crise'. Bárbara Paz fala sobre documentário 'Babenco' O documentário "Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou" é tão complexo quanto seu título. Com estreia em cinemas brasileiros nesta quinta-feira (26), o filme: retrata os últimos anos da vida de Hector Babenco, cineasta argentino naturalizado brasileiro que se firmou como um dos maiores nomes do cinema nacional; é a estreia da atriz Bárbara Paz, que foi casada com Babenco até sua morte em 2016, na direção de um longa-metragem; ganhou prêmios no Festival de Veneza, um dos mais importantes do mundo, e de Mumbai, na Índia; é o primeiro documentário escolhido pela Academia Brasileira de Cinema como representante do país para tentar uma vaga como melhor filme internacional, no Oscar 2021. Mas, ao mesmo tempo, é muito mais do que tudo isso. "Para mim é um filme de amor à vida. Um filme de amor ao cinema. É um filme de despedida, mas não é sobre morte. É sobre vida, de um homem que lutou para sobreviver, para fazer cinema", diz Paz em entrevista ao G1. Assista ao vídeo acima. "Esse para mim é o filme que eu quis fazer. Contar essa história desse homem, não só a cinebiografia dele, mas esse leão que lutava para sobreviver e estava sempre na iminência da morte – e fazia um outro filme." Bárbara Paz em cena de 'Meu amigo hindu' utilizada em 'Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou' Reprodução/YouTube/Gullane Entretenimento Amores Babenco morreu em 2016, aos 70 anos, após uma parada cardíaca enquanto estava internado para tratar de uma sinusite. Cineasta consagrado por filmes como "Pixote, a Lei do Mais Fraco" (1980) e "O beijo da mulher aranha" (1985), pelo qual foi indicado ao Oscar de direção, contou uma versão de sua batalha contra um câncer linfático em 1990 em sua última obra, "Meu amigo hindu" (2015). Casado desde 2010 com Paz, atriz que conheceu através de amigos em Paraty (RJ), permitiu que a mulher filmasse os últimos anos de sua vida, parte de um desejo de ser o protagonista de sua própria morte. "Acho que é um casamento de tudo. Foi um fechamento de uma coisa muito bonita, uma história de amor muito bonita. De um encontro de almas", afirma Paz. "Sobre o amor de nós dois, mas também o amor dele e esse oxigênio que era o cinema, né, que era onde a gente se encontrava." Leia abaixo a entrevista realizada na última quinta-feira (19) com a diretora, que fala sobre a experiência de dirigir um diretor, o medo de fazer um filme "chapa-branca", e a escolha da Academia Brasileira, anunciada um dia antes: Hector Babenco em cena de "Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou” Divulgação G1 – Primeiro, parabéns por ter sido escolhida como representante ao Oscar. A gente já vai falar mais sobre isso, mas antes acho importante perguntar: sobre o que é "Babenco" para você? Bárbara Paz – Obrigada. O filme ou o homem? (risos) G1 – (risos) O filme. Bárbara Paz – Para mim é um filme de amor à vida. Um filme de amor ao cinema. É um filme de despedida, mas não é sobre morte. É sobre vida, de um homem que lutou para sobreviver, para fazer cinema. Então o cinema o manteve vivo. Acho que o filme é sobre isso. É você enxergar um homem saindo de cena, fazendo o que mais ama. Filmando até o fim. Porque realmente esse para mim é o filme que eu quis fazer. Contar essa história desse homem, não só a cinebiografia dele, mas esse leão que lutava para sobreviver e estava sempre na iminência da morte – e fazia um outro filme. Quando você achava que ele estava indo embora ele voltava com outro filme. Isso é de uma beleza sem tamanho. Então é sobre isso, eu acho. E atravessa meu olhar para esse homem. Um olhar de amor para o outro, sobre o outro. Também é isso. A base de tudo isso é esse grande amor que o ser humano move montanhas por ele. Por amor seja ao que for, a uma pessoa, um cachorro, ao cinema, à imagem, à palavra, ao livro. O amor em geral. O amor move. Esse sentimento mais genuíno. G1 – Um amigo falou que "Babenco", por ser feito por você, poderia ser "chapa-branca". Com essa tua ligação tão forte com o Babenco, você acha que é possível e até que é necessário fazer um documentário imparcial? Bárbara Paz – Você sabe que isso rolou muito? Eu entrei muito em crise na época da montagem. "Mas eu estou muito chapa-branca. Eu não posso. Então vamos achar o Hector gritando. O Hector mau. Vamos achar essa imagem. Vamos agora. Tem." Aí a gente saía procurando. "Eu quero um grito dele. Eu quero esse malvado. Esse outro lado dele, que ele era um demônio. O mito Babenco." E a gente não encontrava. A gente encontrava uma coisinha ali, outra aqui, que não fazia sentido, nas imagens que eu tinha – e eu tinha muita. Eu falei: "gente, a gente não encontrou uma cena para quebrar, talvez." As cenas que eu encontrei mais eu coloquei, mas não é um filme chapa-branca de forma alguma. É um filme sobre o meu ponto de vista. Quer dizer, você vai fazer um filme sobre ele no seu ponto de vista. O outro pode fazer o filme sobre ele com o ponto de vista dele. Esse é o filme sobre o meu ponto de vista. O meu Hector. O homem que eu conheci. Não é sobre o cinema dele. É sobre o homem. A diferença é essa. As pessoas falavam para mim. Você acha que eu não ouvi muito isso antes? "Ah, você vai fazer um filme chapa-branca, é? Ah, mas não vai fazer não sei o que." Eu parava, e às vezes eu não respondia, mas um dia eu comecei a responder: "eu vou fazer o filme que eu quero fazer. Você pode fazer outro filme sobre ele." Então é isso. Eu acho que não existe chapa-branca, mas eu entrei nessa crise (risos). Eu acho que fiz o filme que eu queria fazer. Ponto. Hector Babenco em imagem de 'Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou' Divulgação G1 – Até porque você mesma falou que não é um filme sobre o cineasta, mas sobre o amor entre vocês. Bárbara Paz – Também. Sobre o amor de nós dois, mas também o amor dele e esse oxigênio que era o cinema, né, que era onde a gente se encontrava. Acho que é um casamento de tudo. Foi um fechamento de uma coisa muito bonita, uma história de amor muito bonita. De um encontro de almas, eu acho também. A gente tem que tomar cuidado com as palavras que usamos hoje em dia, mas realmente foi um lindo encontro na vida. G1 – Em relação à escolha para o Oscar, esse ano foi tão atípico em relação a lançamentos. Antes do anúncio, eu lembrei que o "Babenco" ganhou prêmio no Festival de Veneza, e pensei que faria sentido se fosse o escolhido. Até porque "Honeyland" foi indicado ano passado. Bárbara Paz – Maravilhoso o filme. Um dos documentários mais lindos que eu já vi. Nem parece documental, né. G1 – Exatamente. É um pouco essa quebra de linguagem que você usa em "Babenco" também, né? Bárbara Paz – Acho que a gente não precisa mais. Tem tanta coisa que a gente pode experimentar, com tantos recursos de câmeras que a gente tem, que esse padrão de entrevista, sentado, "vamos contar a história do começo ao fim" – eu acho que já desgastou um pouco. Não são os filmes que me interessam. Os filmes que me interessam têm uma linguagem mais pessoal. Uma narrativa quase ficcional. Eu me lembro que gostei muito do "Ex-Pajé" também. Muito. Brasileiro, do Bolognesi, que tem isso também. Você fala: "mas isso é um documentário ou uma ficção?". E é muito lindo isso, quando você consegue atravessar essa linha tênue. Hector Babenco em imagem de 'Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou' Divulgação G1 – Mas ontem, no dia do anúncio, você estava de olho, ansiosa, ou foi uma surpresa total? Bárbara Paz – A gente estava inscrito, mas eu nem sonhava, porque nunca tinha sido escolhido um documentário, né. E eu inclusive fui júri [da Academia Brasileira de Cinema] nessa época, há uns três anos, e o "Ex-Pajé" estava também. E foi discutido isso sobre o documentário, que nunca tinha sido indicado. E tantos filmes maravilhosos que estavam nessa seleção de agora. O cinema brasileiro está com uma safra incrível. O ano passado, esse ano. Muita coisa premiada, sabe. O mundo gosta, ama o cinema brasileiro. Então a gente está em um lindo momento. Infelizmente um péssimo momento político no Brasil, mas a gente está em um belo momento mundial, lá fora. Só tenho a agradecer a Academia Brasileira por ter escolhido um documentário. Então isso foi uma surpresa e uma emoção muito grande. Eu realmente chorei bastante (risos). O meu cachorrinho aqui ficou todo apavorado, porque eu via o sorriso do Hector, sabe. Eu senti ele, a presença dele. Falei: "cara, ele não quer arredar o pé" (risos). Foi muito emocionante mesmo. Agora tem uma longa estrada de campanha, de fazer o pessoal assistir ao filme, votar, porque uma indicação agora tem todo um trabalho de campanha mesmo. E vamos botar o carro na estrada, no meio da pandemia. Willem Dafoe em cena de 'Meu amigo hindu', utilizada em 'Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou' Divulgação G1 – A gente sabe que a Academia (de Hollywood) adora filmes sobre cinema. Com a paixão do Hector pelo cinema, e ele mesmo uma figura importante, você acha que isso aumenta as chances um pouco? Bárbara Paz – Ah, vamos esperar que sim? A gente não sabe o que vai tocar o coração. Eu não imaginava que esse filme fosse chegar tão longe. Veneza foi uma surpresa maravilhosa. E todos os outros. A gente também ganhou outros festivais incríveis. No Chile, na Índia. Tudo em países que você nem imagina que a história vai chegar, vai tocar as pessoas. Então, é só agradecer mesmo e agora começar a trabalhar para esse filme ser visto. E agora com a estreia no Brasil as pessoas vão poder ver também. Com todo o protocolo. É possível ir. Vamos voltar às salas de cinemas com "Babenco: Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou". G1 – Você acompanhou toda essa fase final da vida dele com ele. E você tinha um "problema" de "dirigir" um diretor. Como foi essa questão do distanciamento? De ele querer ser o diretor, e te guiar? Bárbara Paz – Ah, não. Isso não teve, não. Imagina. Eu sou muito brava (risos). Teve uma cena que eu deixei no filme, que todo mundo fala que é curiosa, mas também foi a única. Porque esse filme era meu, o meu olhar. E ele gostava muito do meu olhar. Ele me dava muita confiança. Eu falo que a maior herança que ele me deixou foi a confiança. Ele falava: "confia no seu olhar, não fica ouvindo ninguém. Vai na sua". Então, no começo, sim, era delicado, mas depois ele largou de mão. No começo eu falava: "Hector, eu não quero esse homem". E desligava a câmera. Ele era muito bom de lábia, né. Muito bom na entrevista. Então eu falava: "Hector, isso aqui eu já ouvi. Está cheio de entrevista na TV com você falando isso. Não é esse que eu quero, então vou desligar a câmera". E desligava. Teve filmagem que eu parei (risos). E não usei mesmo essas coisas. Porque ele era muito bom nisso, falava as mesmas coisas sempre. Enfim, eu fui desconstruindo e ficando só com aquele que me interessava, aquele homem. Aquele que está impresso no filme. Esse mais nas entranhas mesmo (risos).