Discos para descobrir em casa – ‘Cida Moreyra canta Chico Buarque’, Cida Moreira, 1993
Capa do álbum 'Cida Moreyra canta Chico Buarque', de Cida Moreira Herton Roitman a partir de pintura de Flan Floris ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Cida Moreyra canta Chico Buarque, Cida Moreira, 1993 ♪ Seguidores atentos da trajetória profissional de Maria Aparecida Guimarães Campiolo – batizada Cida Moreira no mundo das artes – certamente detectaram coerência na decisão da cantora e atriz paulista de gravar disco inteiramente dedicado ao cancioneiro de Chico Buarque. Um dos protagonistas do teatro da canção, o compositor carioca já estava presente no roteiro do primeiro show da intérprete, Summertime – Um show pra inglês ver (1979 / 1980), gravado ao vivo para ser perpetuado no primeiro álbum da cantora, Summertime (1981). Nesse trabalho seminal, que moldou a personalidade artística de Cida Moreira no tênue limiar entre música e teatro, a intérprete já dava a voz histriônica a Geni e o Zepelim (1977 / 1978), canção do espetáculo A ópera do malandro (1978) em que Chico escreveu tratado sobre a hipocrisia humana. Por isso mesmo, Geni e o Zepelim reapareceu simbolicamente no álbum Cyda Moreira canta Chico Buarque em registro ao vivo captado em setembro de 1991 em apresentação da cantora na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Com todas as nuances teatrais refletidas no canto da artista, Geni e o Zepelim voltou para lembrar que Cida Moreira é e sempre foi a maior representante brasileira das saloon singers, rótulo dado às cantoras de cabaré, vozes desbocadas na luta contra o poder opressor, travada através da música. Nessa luta, as armas de Cida sempre foram as escolhas inteligentes dos repertórios a cujo serviço pôs a voz operística, treinada desde a infância juntamente com os estudos de piano iniciados na interiorana cidade de Paraguaçu Paulista (SP), onde Cida Moreira cantou pela primeira vez em 1957, aos seis anos, interpretando o samba-canção Serra da boa esperança (Lamartine Babo, 1937) em emissora de rádio local. Nascida em 12 de novembro de 1951, a artista tinha 41 anos quando lançou em janeiro de 1993, pela gravadora Kuarup, o álbum Cida Moreyra canta Chico Buarque, quinto título de discografia que já havia rendido LPs como Abolerado blues (1983), um dos marcos da associação da artista com a lira paulistana do movimento vanguardista que emergiu em São Paulo no alvorecer da década de 1980. O songbook de Chico Buarque foi o primeiro disco de Cida editado em CD, formato então já dominante no mercado fonográfico brasileiro de 1993. Nessa época, a voz da cantora estava no auge da forma, com todos os agudos do timbre operístico evidenciado nas interpretações de canções como Todo o sentimento (Cristovão Bastos e Chico Buarque, 1987) e Choro bandido (Edu Lobo e Chico Buarque, 1985). Na época do CD com músicas de Chico, gravado no estúdio paulistano A voz do Brasil entre setembro e outubro de 1992, Cida grafava o sobrenome Moreira com y – como pode ser visto na arte da capa do álbum, criada por Herton Roitman a partir de quadro La famille van Bergheim, obra do pintor belga Frans Floris (1517 – 1570). Sendo Moreyra ou Moreira, Cida sempre foi intérprete de grandeza explicitada neste tributo a Chico Buarque em que alinhou, com inteligente costura teatral, 19 músicas do compositor selecionadas com ênfase em temas criados pelo autor para trilha sonoras de peças, filmes e balés. As vinhetas que abriram e fecharam o álbum – Morte e vida Severina – Abertura (1965) e Valsinha (Chico Buarque e Vinicius de Moraes, 1970), respectivamente – sublinharam a teatralidade da narrativa construída pela artista no disco produzido pela própria Cida Moreira com Mario de Aratanha. Aratanha é o fundador da Kuarup, gravadora que lançaria mais dois álbuns da cantora, Na trilha do cinema (1997) e Uma canção pelo ar… (2003), e que se prepara para pôr no mercado neste ano de 2020 o álbum Um copo de veneno (cujo lançamento, antes previsto para março por outro selo, chegara a ser cancelado por questões com uma distribuidora, sendo viabilizado somente quando o disco foi oferecido a Kuarup). Dona do dom do canto teatral, Cida Moreira se portou como legítima dona das músicas de Chico Buarque neste disco gravado sob direção musical do pianista e clarinetista Gil Reyes. Bastaria o perfeito registro de Beatriz (Edu Lobo e Chico Buarque, 1983), feito somente com o canto de Cida e o piano de Reyes, para atestar o domínio da atriz cantora na cena em que abordou o cancioneiro já em si teatral de Chico. Contudo, o álbum Cida Moreyra canta Chico Buarque desfiou rosário de muitas outras pérolas lapidadas entre o lirismo melancólico de Suburbano coração (1984) e o cinismo histriônico de A voz do dono e o dono da voz (1981). Exemplo da maestria de Cida na abordagem da obra de Chico, o registro de Morro dois irmãos (1989) tratou o samba com o rigor de peça erudita em sintonia com os silêncios respeitosos exigidos pela composição. Recorrente no álbum, o samba também ditou o ritmo de O malandro (Kurt Weill e Bertolt Brecht em versão em português de Chico Buarque, 1977 / 1978) – vinheta em que Cida evocou com sagacidade a cadência e o clima do álbum anterior de 1987 em que interpretou o repertório musical do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898 – 1956) – e de Estação derradeira (1987). Ao dar voz a esse samba, Cida subiu pesarosa o morro com a percussão sucinta de Sérgio Chica para denunciar a loucura e o desvario de cidadãos e fogueiras que ardiam no solo sangrento do Rio de Janeiro (RJ). Nessa cidade de munição pesada cravada no peito de São Sebastião e do povo carioca, Angélica (Miltinho e Chico Buarque, 1977) – réquiem para Zuzu Angel (1921 – 1976), mãe enlutada pelo assassinato do filho militante Stuart Angel (1946 – 1971) – foi louvada por Cida Moreira no devido tom fúnebre, em lamento potencializado pelo sopro do clarinete de Gil Reyes. Se a cadência da vinheta com o samba Bom tempo (1968) lembrou a origem carioca do compositor, o acordeom tocado por Toninho Ferragutti transportou Soneto (1972) para qualquer rua de Paris onde Edith Piaf (1915 – 1963) ia ao fundo do coração para soltar a voz com sentimento similar ao posto por Cida Moreira em canções como Valsa brasileira (Edu Lobo e Chico Buarque, 1988). Com a propriedade de quem transitou por grupos de teatro antes de seguir carreira na música, Cida Moreira evidenciou no disco a dramaticidade sensual de Tatuagem (Chico Buarque e Ruy Guerra, 1973), o iminente esgotamento de Gota d'água (1975) e a determinação feminina de Palavra de mulher (1985) entre vinhetas como a de Mar e lua (1980). No resumo da ópera dessa cantora astuta que captou a malandragem de cada música a que deu voz, Cida Moreira cantou Chico Buarque neste álbum de 1993 com inteligência e sensibilidade destacadas pelo próprio compositor em depoimento para o jornalista Thiago Sogayar Bechara incluir na biografia da artista, Cida Moreira – A dona das canções (2013). “É um disco que escuto ainda hoje com muito gosto”, confidenciou Chico Buarque a Bechara, celebrando o canto perspicaz de Maria Aparecida Guimarães Campiolo, a dama Cida Moreira, dona do dom e de voz teatral que continua em cena, já sem os agudos de outrora, mas com a maturação penetrante do tempo.
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Edu Falaschi lança DVD do show em que pôs Guilherme Arantes no templo do metal
Ex-vocalista da banda Angra apresenta gravação ao vivo do espetáculo comemorativo dos 15 anos do álbum 'Temple of shadows', feito com a participação do cantor de 'Planeta água'. ♪ Efetivado como vocalista da banda de power metal Angra em 2001, na qual ocupou até 2012 o posto que foi originalmente de André Mattos (1971 – 2019), o cantor e compositor paulistano Edu Falaschi se prepara para lançar a gravação ao vivo do show Temple of shadows – In concert nos formatos físicos de CD, DVD e blu-ray, além da já habitual edição digital. Com capa e repertório já revelados pelo artista, o DVD Temple of shadows – In concert perpetua 21 números do espetáculo apresentado por Falaschi na cidade de São Paulo (SP) em maio de 2019. Criada por Carlos Fides, a arte da capa do DVD alude intencionalmente à imagem da capa do quinto álbum da banda Angra, Temple of shadows, lançado em 2004. É que Falaschi subiu ao palco da casa paulistana Tom Brasil justamente para celebrar os 15 anos da edição desse álbum do grupo. Na companhia dos músicos Aquiles Priester (bateria), Diogo Mafra (guitarra), Fabio Laguna (teclados), Raphael Dafras (baixo) e Roberto Barros (guitarra), Edu Falaschi deu voz a músicas do disco de 2004, como Spread your fire (parceria do artista com Kiko Loureiro) e Wishing well. Na abertura, o espetáculo teve o toque sinfônico da Orquestra Bachiana Filarmônica, regida pelo maestro João Carlos Martins, em participação que conectou o universo da música clássica com o mundo do metal. Os cantores Michael Vescera (ex-Obsession, convidado de Winds of destination), Sabine Edelsbacher (vocalista da banda Edenbridge que reforçou a lembrança de No pain for the dead), Kai Hansen (vocalista do grupo Helloween, na música The temple of hate), Tiago Mineiro (na música Sprouts of time) e, sim, Guilherme Arantes – estranho no ninho metaleiro, convidado a cantar Late redemption com Falaschi – reforçaram o time de convidados do espetáculo. Detalhe: o roteiro eternizado no DVD inclui canção autoral de Arantes, Planeta água (1981). O show Temple of shadows – In concert foi filmado pela Foggy Filmes, sob direção de Junior Carelli e Rudge Campos.
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César Menotti & Fabiano reciclam hits de ‘antigas’ duplas sertanejas dos anos 1990 em disco extraído de live
Sucessos de Leandro & Leonardo e Zezé Di Camargo & Luciano são recorrentes entre as 17 músicas do álbum ao vivo. ♪ César Menotti & Fabiano voltam ao passado sertanejo no álbum Só as antigas – Live, na contramão do movimento que a dupla mineira vem fazendo para (tentar) se atualizar no universo sertanejo com singles recentes como Andar de cima, lançado em março com música inédita de Vine Show, Gustavo Martins e Nicolas Damasceno. Gravado ao vivo em live e lançado na sexta-feira, 12 de junho, através da gravadora Som Livre, o disco Só as antigas apresenta 17 músicas em 16 números extraídos do roteiro da transmissão feita por César Menotti & Fabiano em 16 de abril com repertório dominado por sucessos da música sertaneja. A seleção do repertório do álbum Só as antigas – Live inclui vários sucessos das duplas Leandro & Leonardo e Zezé Di Camargo e Luciano – o que ratifica que, no universo sertanejo de 2020, essas duplas projetadas na década de 1990 já estão compreensivelmente associadas a um passado remoto do gênero. A propósito, a gravadora Som Livre escolheu a gravação de Pense em mim (Douglas Maio, José Ribeiro e Mario Soares, 1990) como faixa promocional do disco pelo ar já clássico da composição. Além desta música que consolidou a carreira de Leandro & Leonardo, César Menotti & Fabiano reciclam no disco hits como Entre tapas e beijos (Nilton Lamas e Antônio Bueno, 1990), Temporal de amor (Cecílio Nena, 1992), Coração está em pedaços (Zezé Di Camargo, 1992), Você vai ver (Elias Muniz e Carlos Colla, 1993) – música propagada na gravação de Zezé Di Camargo & Luciano lançada em 1994 – e Não olhe assim (César Augusto e César Rossini, 1989), balada que somente ficou conhecida nas vozes de Leandro & Leonardo em gravação da dupla para álbum apresentado em 1991, dois anos após o registro original da música pelo cantor Diego. No compilado da transmissão que resultou no álbum Só as antigas – Live, César Menottti & Fabiano também dão vozes a 24 horas de amor (Carlos César e José Fortuna, 1979), música mais conhecida na gravação de 1984 da dupla Matogrosso & Mathias. A ironia é que, formada em Belo Horizonte no alvorecer dos anos 2000, a dupla César Menotti & Fabiano se alinhou com o sertanejo universitário, movimento daquela década, e atualmente já corre o risco de soar – ela própria – antiga em 2020.
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G1 Ouviu #93: São João 2020: lives, causos e a saudade das festas juninas
Elba Ramalho, Dorgival Dantas, Mano Walter, Solange Almeida, Xand Avião, Luan Estilizado e Flávio José relembram shows e lamentam cancelamentos e adiamentos neste ano. Você pode ouvir o G1 ouviu no G1, no Spotify, no Castbox, no Google Podcasts ou no Apple Podcasts. Assine ou siga o G1 Ouviu para ser avisado sempre que tiver novo episódio no ar. O que são podcasts? Um podcast é como se fosse um programa de rádio, mas não é: em vez de ter uma hora certa para ir ao ar, pode ser ouvido quando e onde a gente quiser. E em vez de sintonizar numa estação de rádio, a gente acha na internet. De graça. Dá para escutar num site, numa plataforma de música ou num aplicativo só de podcast no celular, para ir ouvindo quando a gente preferir: no trânsito, lavando louça, na praia, na academia… Os podcasts podem ser temáticos, contar uma história única, trazer debates ou simplesmente conversas sobre os mais diversos assuntos. É possível ouvir episódios avulsos ou assinar um podcast – de graça – e, assim, ser avisado sempre que um novo episódio for publicado G1 ouviu, podcast de música do G1 G1/Divulgação
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Clara Nunes é enfocada pela lente do amor maternal da irmã ‘dindinha’ em livro de memórias familiares
Escrita sem rigor cronológico, narrativa oferece visão extremamente pessoal e afetuosa da vida pré-fama da cantora mineira. Capa do livro 'Clara Nunes nas memórias de sua irmã dindinha Mariquita' Divulgação Resenha de livro Título: Clara Nunes nas memórias de sua irmã Dindinha Mariquita Autores: Maria Gonçalves da Silva e Josemir Nogueira Teixeira Editora: Jaguatirica Cotação: * * 1/2 ♪ Treze anos após a edição da reveladora biografia Clara Nunes – Guerreira da utopia (2007), escrita por Vagner Fernandes sob a ótica da imparcialidade jornalística, surge outro livro sobre a cantora mineira nascida com o nome de Clara Francisca Gonçalves (12 de agosto de 1942 – 2 de abril de 1983). Lançado neste primeiro semestre de 2020, Clara Nunes nas memórias de sua irmã dindinha Mariquita oferece recorte literalmente mais familiar da artista. Trata-se de relato afetuoso de Maria Gonçalves da Silva (29 de janeiro de 1931 – 10 de maio de 2017), a Dona Mariquita, irmã mais velha da cantora que assumiu o papel de mãe na criação de Clara a partir dos quatro anos de idade da menina, órfã de mãe e pai já na infância. Dindinha – como Dona Mariquita era carinhosamente chamada por Clara – morreu há três anos sem ter visto editado o livro que idealizara em 2006, mas tendo tido tempo de aprovar a organização final do texto assinado com Josemir Nogueira Teixeira. Estruturado, revisado e formatado por Josemir para o livro viabilizado pelo Instituto Clara Nunes, o relato em primeira pessoa de Dona Mariquita foca Clara pela lente do amor maternal em narrativa estritamente pessoal, construída sem rigores biográficos, sem objetividade jornalística e sem a intenção de soar imparcial. Com fotos raras do acervo da família, pesquisadas e selecionadas por Marlon de Souza Silva, o livro perpetua o jorro reverente das memórias de Dona Mariquita, imprecisas como, a rigor, são todas as memórias baseadas nas impressões capturadas (e editadas) pela mente humana. Escrito com moderada fluidez, na primeira pessoa, o texto expõe fragmentos da vida e da família de Clara Nunes. Sem rígida cronologia, a autora conta passagens das vidas dos pais e dos irmãos (não somente de Clara), contextualizando a origem familiar e social da irmã que ganharia projeção na década de 1970 como uma das mais luminosas cantoras da história da música brasileira. O nascimento de Clara – sétima filha de família numerosa – é assunto do sétimo dos 38 capítulos do livro, mas, antes de entrar nesse assunto, a narrativa já fala de ida do compositor Paulo César Pinheiro à cidade mineira de Cedro (atualmente Caetanópolis), terra natal de Clara, de quem Pinheiro foi marido e produtor de álbuns relevantes da cantora em conexão profissional iniciada com o disco Canto das três raças (1976), um ano após o casamento. Nesse vaivém do tempo do relato de Dona Mariquita, a narrativa salpica detalhes da vida pré-fama de Clara, como o fato de ela ser “namoradeira” (nas palavras da autora) e como a aflorada vaidade adolescente da mineira louca por roupas, sem atenuar a impressão de que, sobretudo na primeira metade, o texto parece estar mais centrado no cotidiano da família Gonçalves do que na vida em si de Clara. A bem da verdade, o relato de Dona Mariquita precisava ser editado com maior rigor. A narrativa do capítulo 20, por exemplo, resulta confusa para quem desconhece previamente o fato de que, em 3 de setembro de 1957, um irmão da cantora, José Pereira Gonçalves, conhecido como Zé Chilau, matou a facadas Adilson Alvarez da Costa, jovem de 17 anos que cortejava Clara. A alegação do crime foi a “defesa da honra” da então adolescente irmã Clara. No livro, Mariquita revela o que acredita ser o desfecho feliz do caso, com a suposta reconciliação de Adilson e Zé Chilau no plano espiritual. A partir do capítulo 22, o relato de Mariquita se concentra em impressões sobre fatos curiosos dos bastidores da vida profissional da irmã cantora, como a ida do médium mineiro Chico Xavier (1910 – 2002) a uma apresentação do show Brasileiro, profissão esperança (1974), por exemplo. São causos narrados com ralo senso crítico e sob ótica pessoal, o que paradoxalmente valoriza o livro sem torná-lo exatamente relevante e muito menos indispensável para quem já adquiriu a biografia de 2007, essencial para a compreensão da trajetória luzidia de Clara Nunes. Ainda assim, merece menção o relato da definidora gravação do samba Ê baiana (Baianinho, Ênio Santos Ribeiro, Fabrício da Silva e Miguel Pancrácio, 1971), testemunhada por Mariquita no estúdio da Odeon, gravadora que, de acordo com o livro, manifestou certa resistência à conversão de Clara ao samba em mudança arquitetada pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves, sacralizado nas memórias da autora. Em essência, o livro Clara Nunes nas memórias de sua irmã dindinha Mariquita imortaliza o amor de uma mãe-irmã por uma filha.
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Astro de Bollywood Sushant Singh Rajput é encontrado morto em casa, na Índia
Morte de ator de 34 anos que participou de 11 filmes chocou o país asiático. Primeiro-ministro Narendra Modi disse que 'um jovem brilhante foi cedo demais' O ator de Bollywood Sushant Singh Rajput em uma foto de maio de 2017 Ajit Solanki/AP O ator indiano Sushant Singh Rajput, de 34 anos, estrela de Bollywood, foi encontrado morto em sua casa em Mumbai na manhã deste domingo (14). "Dói-nos compartilhar que Sushant Singh Rajput não está mais conosco", disse, em nota, um porta-voz do ator. A polícia de Mumbai informou que o ator foi encontrado morto em sua residência e que uma investigação vai apurar o caso. Segundo a imprensa local, o corpo de Rajput foi achado pendurado no teto da casa. Ambulância carrega o corpo do ator de Bollywood Sushant Singh Rajput neste domingo (14) Rafiq Maqbool/AP A morte de Rajput chocou a Índia. Nomes importantes do país prestaram homenagem ao ator nas redes sociais. “Isso é tão chocante. Um talento maravilhoso. RIP, Sushant”, disse o ator Abhishek Bachchan, no Twitter. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, lamentou a morte do ator. "Um jovem ator brilhante se foi cedo demais", disse Modi, no Twitter. "Sua ascensão no mundo do entretenimento inspirou muitos e deixa para trás várias atuações memoráveis." Carreira em Bollywood Rajput começou sua carreira de ator com novelas de televisão e estreou em Bollywood em 2013. Ele atuou em 10 filmes, e o décimo primeiro, um remake do sucesso de Hollywood "A culpa é das estrelas", está programado para ser lançado ainda neste ano. Em 2016, Rajput teve a atuação elogiada ao interpretar o jogador de críquete indiano Mahendra Singh Dhoni em uma cinebiografia sobre o atleta.
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Discos para descobrir em casa – ‘Metades’, Leci Brandão, 1978
Capa do álbum 'Metades', de Leci Brandão Januário Garcia ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Metades, Leci Brandão, 1978 ♪ Em 1978, ano em que lançou o quarto álbum, Metades, Leci Brandão fez história ao se tornar a primeira cantora famosa do Brasil a assumir a homossexualidade. “A gente já é marginalizado pela sociedade. Então a gente se une, se junta e dá as mãos. E um ama o outro sem medo e sem preconceito. Quero que as pessoas enxerguem meu lado homossexual como uma coisa séria, que haja respeito”, reivindicou a cantora e compositora carioca em entrevista publicada em novembro de 1978 na sexta edição do militante jornal Lampião da Esquina, direcionado ao público homossexual. Para quem já seguia a trajetória de Leci Brandão da Silva, cidadã brasileira, negra, nascida em 12 de setembro de 1944 na cidade do Rio de Janeiro (RJ), a postura assumida e libertária da artista já havia sido detectada em músicas dos álbuns Questão de gosto (1976) e Coisas do meu pessoal (1977), cujo repertório destacou Ombro amigo, composição solidária aos gays ainda em processo de aceitação da homossexualidade. Esses dois discos haviam sido lançados pelo mesmo selo, Polydor, que editou Metades, álbum produzido por Paulo Debétio, parceiro de Paulinho Rezende na criação da composição-título Metades, balada típica de hitmakers de gravadoras, mas fiel à ideologia da cantora. Pelo pioneirismo na exposição da vivência homoafetiva, Leci Brandão sofreu discriminações na escola de samba Mangueira – em cuja ala de compositores tinha sido admitida em 1972, sendo a primeira mulher a integrar a turma de bambas da agremiação verde-e-rosa – e na própria indústria fonográfica. Mas resistiu e seguiu firme na carreira iniciada em 1968 com participação no programa de calouros A grande chance (TV Tupi), tendo vencido na categoria dedicada aos compositores. Descoberta como cantora nas rodas de samba do Teatro Opinião, onde ingressara em 1973, ano em que também ganhou projeção como compositora do samba Quero sim (feito com Darcy da Mangueira), Leci debutou no mercado fonográfico em 1974 com a edição de compacto duplo (single com quatro músicas) editado via Marcus Pereira, gravadora que lançou em 1975 o primeiro álbum da cantora, Antes que eu volte a ser nada. Quando apresentou o álbum Metades, em dezembro de 1978, Leci Brandão já tinha bom trânsito no meio musical, inclusive fora das rodas de samba – a ponto de ter feito parceria com Rosinha de Valença (1941 – 2004) em Natureza, música que temperou o LP Metades com cheiro verde de mato, bem ao gosto de Rosinha. A violonista, a propósito, integrou o time de arranjadores do disco ao lado de Antonio Adolfo, Luiz Roberto, Paulo Moura (1932 – 2010), Roberto Menescal e Sérgio de Carvalho (1949 – 2019). Os arranjos do álbum Metades aproximaram Leci do universo da MPB sem cortar a ligação da cantora com o samba. No confronto com os álbuns antecessores Questão de gosto (1976) e Coisas do meu pessoal (1977), o LP Metades resultou menos autoral sem deixar de ter a identidade de Leci Brandão. Alocado na abertura batuqueira do lado A, o partido alto Santas almas benditas (Clareia) professou a fé sincrética – com ênfase nas saudações às divindades de religiões afro-brasileiras – que afloraria com maior intensidade na discografia de Leci a partir dos anos 1980. Faixas valorizadas por expressivos arranjos, o samba-canção Isso acontece (Zé Maurício e Antônio Cláudio) e a canção Tua (Ivan Botticelli e Carlos Colla) expiaram dores e gozos de amores com romantismo. Esse romantismo seria diluído por Leci ao longo de discografia que perderia densidade quando, cinco anos após o álbum Essa tal criatura (1980), LP que encerrou o vínculo da artista com a gravadora Polydor, a cantora retomou a carreira fonográfica em 1985 em gravadora de menor porte, a Copacabana, por onde lançou o álbum Leci Brandão (1985), feito já no embalo da explosão do pagode carioca no mercado. No álbum Metades, lançado oito anos antes, o samba ainda não era no fundo de quintal. Mas a animação do samba Troca (Leci Brandão e João Nepomuceno) encerrou o lado A do LP Metades com cadência bonita que lembrou que Leci Brandão era voz vinda dos terreiros e pagodes da vida carioca. Em tom mais sentimental, o bolero Bela fatal abriu o lado B e a parceria de Antonio Adolfo com Paulo André Barata e Ruy Barata, compositores que tinham obtido projeção com músicas gravadas por Fafá de Belém em 1977 (Foi assim e Pauapixuna). Na sequência, com arranjo orquestral, a cantora deu voz a uma composição de Ivan Lins, Nesse botequim, apresentada pelo autor há três anos no álbum Chama acesa (1975). Com opulência orquestral ainda maior, Morena travessa (Paulinho Cavalcanti e Paulo Bruce) exalou mineirice à moda da época, com evocações do cancioneiro pop do Clube da Esquina. Já a suave canção Morenando trouxe a assinatura de Sandra de Sá, então ainda desconhecida do público, mas já enturmada no meio de cantoras e compositoras ligadas por toda forma de amor. Sozinha, Leci Brandão assinou somente uma música no álbum Metades, Ferro frio, composição (inspirada em caso amoroso da artista) que nunca mais regravou. Em parceria com Paulo Moura e Zezinho Moura, a compositora assinou Mesa para um só, música que fechou Metades, álbum que – embora não tenha mostrado a artista por inteiro, uma vez que interferências da gravadora já se fizeram notar na seleção do repertório e no tom de alguns arranjos – ajudou a propagar o canto livre e assumido da cidadã Leci Brandão da Silva.
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Flavia Wenceslau percorre ‘léguas do coração’ na rota luminosa do álbum ‘A tempo’
Gravada por Maria Bethânia, a cantora e compositora apresenta safra autoral valorizada pelo frescor da direção musical de Marano, ex-baixista d'A Banda Mais Bonita da Cidade. Capa do álbum 'A tempo', de Flavia Wenceslau Daniel Arjones Resenha de álbum Título: A tempo Artista: Flavia Wenceslau Gravadora: Edição independente da artista Cotaçâo: * * * * ♪ O nome de Flavia Wenceslau começou a circular em escala nacional ao longo dos anos 2010, década em que essa cantora e compositora paraibana – residente em Salvador (BA) – teve músicas gravadas pelas cantoras Mariene de Castro, Maria Bethânia e Margareth Menezes. Espectadores do show Abraçar e agradecer (2015), de Bethânia, perceberam a sensibilidade da obra de Flavia quando a intérprete arrematou o roteiro com a canção Silêncio, eternizada no CD e DVD com o registro ao vivo do espetáculo comemorativo dos 50 anos de carreira de Bethânia. Em tese, aliás, Bethânia apresentará outra música inédita da compositora, Espelho, no álbum que planejara gravar neste ano de 2020. Possivelmente para manter a primazia de Bethânia, Flavia Wenceslau apresenta dez músicas inéditas no quarto álbum, A tempo, sem incluir Espelho nessa safra autoral. Lançado em 5 de junho, A tempo é o primeiro álbum da artista em dez anos, o primeiro desde Saia de retalhos (2010), disco em que a compositora apresentou a música Filha do mar, regravada por Mariene de Castro no álbum Tabaroinha (2012). Entre um álbum e outro, Flavia lançou o single Por uma folha (2017), com bela canção em que reiterou a sensibilidade da obra autoral, e o EP Quem souber (2018). Gravado sob direção musical de Marano, ex-baixista da curitibana A Banda Mais Bonita da Cidade, o álbum A tempo alinha canções que versam sobre o caminhar humano sob a luz do amor. Ao longo das dez faixas, a artista percorre as “léguas do coração” sobre as quais versa na canção Teu amor. Situada no início dessa rota amorosa, Estrada de sol sinaliza calor mais pop no cancioneiro da artista, efeito da produção musical e dos arranjos orquestrados por Marano com os músicos Gustavo Schirmer e Thiago Ramalho. Na sequência, Primavera mantém a luminosidade inicial enquanto Muito obrigado segue por caminho mais interiorano, violeiro, explicitando outras belezas do cancioneiro da artista. Com a grandeza do arranjo épico, Todo coração bate forte no disco, expondo o acerto da escolha de Marano para a direção musical do álbum A tempo. Um dos destaques da (coesa) safra do disco, a canção É assim dá continuidade à caminhada da artista com a sensibilidade e o lirismo da obra autoral de Flavia Wenceslau. Se a obra é a mesma, o tom é outro e mais exteriorizado. As canções de Flavia soam mais universais no álbum A tempo, ainda que mantendo eventual toque regionalista – sob a ótica de quem vive fora da nação musical nordestina… – como o que dá o tom de Aquarela nossa. Ronda das estrelas ilumina o toque do bandolim de Fabrício Rios, sobressalente na introdução da música. Já Sangue da terra corre com a voz quente da cantora soteropolitana Márcia Short e pegada percussiva que mostram a influência da vivência baiana na trajetória dessa artista paraibana que está na estrada há mais de 20 anos, tendo lançado em 2005 o primeiro álbum, Agora, ao qual se seguiu, dois anos depois, o álbum Quase primavera (2007). No arremate do disco, Minha antena retransmite o afeto e o frescor que norteiam a rota luminosa seguida por Flavia Wenceslau no álbum A tempo.
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Briga de Anavitória com Tiago Iorc expõe distorção na lei de direitos autorais
É injusto que a dupla esteja impedida de regravar 'Trevo (Tu)', canção da qual Ana Caetano é coautora. Anavitória e Tiago Iorc expõem desentendimentos sobre canção composta em 2015 e lançada pela dupla em 2016 Reprodução ♪ ANÁLISE – Revelada por Ana Caetano em live feita por Anavitória na noite de sexta-feira, 12 de junho, a briga da dupla com Tiago Iorc – por causa da canção Trevo (Tu), parceria de Iorc com Ana – expõe distorção na lei de direitos autorais. Essa distorção consiste na necessidade de um compositor precisar ter a autorização do parceiro para poder gravar (ou regravar) música do qual esse compositor é coautor. Basta alterar a lei nessa questão específica – abolindo a necessidade do aval do parceiro, mas garantindo a esse parceiro o pagamento da parte que lhe couber nos lucros obtidos com o novo registro da canção – para evitar pendengas como a de Anavitória com Iorc. É justo e legítimo que compositores tenham o controle total da própria obra, permitindo ou vetando qualquer gravação de qualquer intérprete, se assim o desejar, seja qual for o motivo. Mas é injusto que qualquer um dos criadores de uma música seja impedido de gravá-la pela necessidade da autorização do parceiro. É o que acontece com Ana Caetano, principal compositora da dupla Anavitória. Até que se resolva a questão com Iorc, Ana Caetano está proibida de fazer novos registros de uma canção que (também) é dela. E isso é injusto, assim como também seria injusto se Iorc fosse a vítima da proibição. Composta por Ana em 2015, Trevo (Tu) teve o refrão criado por Iorc quando o cantor investia na carreira da dupla. Lançada em 2016 no primeiro álbum de Anavitória, em gravação feita com a participação de Iorc, produtor do disco, a canção ajudou a impulsionar o disco e a carreira da dupla, tendo sido lançada em dezembro daquele ano como o segundo (e mais bem-sucedido) single do álbum Anavitória. Na época, tudo eram flores. Até porque o empresário de Iorc, Felipe Simas, era o mesmo da dupla. O desentendimento veio quando Iorc decidiu assumir o gerenciamento da própria carreira – atitude salutar de artista que parece se sentir pouco à vontade na roda-vida da indústria da música – e se desligou de Simas. Mágoas e acusações de ambos os lados estão vindo à tona desde o fim de semana. Não importa quem esteja com a razão. A questão é que uma simples mudança na lei do direito autoral impediria que brigas do gênero se repetissem e desafinassem relações até então harmoniosas. E esses casos, mesmo que não se tornem públicos, volta e meia acontecem. Geraldo Azevedo, por exemplo, já se viu impedido de regravar Canção da despedida (1983) porque o parceiro do compositor na música, Geraldo Vandré, se tornou arisco e avesso a liberações. A solução é simples. Nenhum compositor deve ser impedido de dar voz a uma música que, sem ele, jamais teria existido.
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Com fé em Deus e ode às motos, novo ‘funk consciente’ supera letras sexuais e renova o estilo
Nova geração de MCs deixa de lado versos sobre 'sentar e quicar' e sobe nas paradas com músicas emotivas sobre vida na favela, com toque religioso e moto como símbolo de superação. Cenas do clipe de 'Eu achei', do MC Paulin da Capital. Ele acorda, lê a Bíblia, abraça a avó, tem a moto roubada, sai com os amigos para procurar e comemora quando acha. Evangélico, Paulin é figura de uma nova geração com letras menos festivas e mais voltadas à realidade das favelas, em que a moto costuma ser símbolo de superação Divulgação MC Paulin da Capital acorda, dá um beijo em um crucifixo e outro na chave de sua moto. Ao sair de casa, é enquadrado pela polícia injustamente, só por ser da favela. No fim, ora a Deus para recuperar seu grande amor de duas rodas. O clipe descrito acima, da faixa "Ô meu robô" (gíria para moto), é a cara de uma nova geração de MCs que renova o funk de SP. Ficam para trás letras sensuais sobre "sentar e quicar", que dominavam o gênero há vários anos. O estilo conhecido como "funk consciente" se reinventa e ganha força. Os MCs Paulin da Capital, Lipi e Lele JP têm as vozes mais ouvidas hoje deste funk melodioso que fala sobre a vida difícil na favela, com ecos de louvor religioso. A moto é símbolo comum de superação. O centro da cena é uma produtora chamada Love Funk, na Zona Leste da capital. Treze das cem músicas mais tocadas no YouTube no Brasil entre 29 de maio e 4 de junho no Brasil são dessa nova leva emotiva do funk consciente. "Sou vitorioso" chegou ao 6º lugar nacional nas vozes de Lele JP e de Neguinho do Kaxeta, veterano da geração anterior do "consciente" de SP. A coisa ficou séria O funk paulista está menos festivo e mais sério. Ainda há espaço para sexo e ostentação, mas eles não são mais os temas centrais, como nas duas ondas anteriores do estilo. Há até uma aproximação com o rap em letras combativas, como a do hit em ascensão "Vergonha pra mídia". Outro sucesso é "Eu achei", também do MC Paulin. Aqui, ele acorda, lê uma Bíblia, fuma um baseado, abraça a avó e chora ao ver que sua moto foi roubada. "Cês levou meu pão de cada dia", lamenta. O drama tem tudo a ver com a cidade carregada pelo trabalho mal pago de jovens entregadores. O final é feliz: "Graças a Deus eu achei", canta MC Paulin. A moto estava "no lugar que não entra polícia". Um mundo duro e injusto, marcado pelo crime, de onde eles tentam sair, marca as letras e a vida dos MCs. No lugar da euforia de hits passados, entram a tristeza e a busca por redenção. Hit vitorioso e autobiográfico “A gente revolucionou a parada", diz o MC Lele JP, de 18 anos, sobre esse novo funk consciente. "Deus colocou os moleques para mudar isso daí." Ele frequenta desde criança a Igreja Evangélica Vales das Bênçãos, do Jardim Peri, Zona Norte. A tal revolução não foi fácil na vida de Lele. “Fui pai dos 15 para os 16 anos. Não podia depender da minha mãe e do meu pai, porque eles já carregavam uma responsabilidade imensa. Cuidavam dos meus sobrinhos, de mim, dos meus sete irmãos”, ele conta O pai adolescente se viu sem saída. “Para um moleque de comunidade, não tem muita opção”, diz Lele. Ele conta que foi procurar trabalho "na boca". “Fiquei sem chão e minha filha ia nascer. Eu tive que me envolver na 'vida loca'. Meu maior medo era me prender naquilo.” A saída para o caminho que ele não queria foi pelo funk, conta Lele. “Um empresário viu um vídeo meu, gostou, e me trouxe para perto”, ele conta. O hit “Sou vitorioso” conta os três capítulos: a dificuldade (“A marmita era 15 / Não tinha um real no bolso”), a escolha errada (“Os menor sem opção / Solução é ir pra boca”) e a superação (“O jogo virou / Deus abençoou / Todos têm o livre arbítrio / Eu escolhi ser cantor”). “Muitas pessoas hoje estão com um ponto de interrogação: o que eu vou fazer? Essa música é um testemunho de que Deus é a solução. E serve como inspiração”, diz Lele. A filha, Ana Clara, já tem 2 anos, e agora ele espera o segundo filho, Ravi. “Comunidade não é um lugar muito visto. Poucos sabem o que se passa ali. O que precisa é projeto social. Oportunidade para a molecada”, conclui o cantor de “Sou vitorioso”. MC Lele JP com a filha, Ana Clara Reprodução / Instagram do cantor 'Forrest Gump' consciente A letra autobiográfica de "Sou vitorioso" também exalta o parceiro da própria faixa: “O Lele era mente / Se espelhava no Kaxeta / No funk linha de frente”. Neguinho do Kaxeta, 34 anos, é uma espécie de versão funkeira de Forrest Gump – o personagem de Tom Hanks que virou uma testemunha ambulante da história dos EUA. Kaxeta viveu a primeira fase do funk consciente de SP, na Baixada Santista, no início dos anos 2000. Fez sucesso na onda seguinte, da ostentação, com versos sobre luxo. E também seguiu na fase anterior, das letras sexuais. Agora, volta ao consciente como referência para os novinhos. “O funk consciente está na raiz da periferia, e acho que as pessoas estavam sentindo falta disso”, opina. “Essa molecada vai ficar, porque tá fazendo um funk que a periferia gosta. Mas eu sempre passo para eles que para ter a moto, tem que trabalhar”, diz o professor consciente. Melodia e superação na quarentena O principal DJ da produtora Love Funk, que está moldando o som da tal nova "molecada" do consciente, é Gabriel Martins Silva. O DJ GM, de 24 anos, cresceu na Zona Oeste de SP, na Favela do Sapé. GM começou a tocar ainda no auge do “funk putaria”, mas ao conhecer Paulin e Lipi na antiga produtora, Gree Cassua, começou a entender e ajudar a criar este som mais passional. DJ GM e MC Lipi no clipe de 'Motoloka' Divulgação A melodia é fundamental. "A gente cria a melodia na hora, e depois cria a letra em cima”, ele explica sobre o processo. “Quando você escuta aquela melodia que toca no coração, o MC até faz a letra melhor do que sem batida”, diz o produtor. Ele acha que a quarentena ajudou a dar ainda mais força ao estilo. “Como não está tendo fluxo (festa de rua), o funk 'putaria' ficou muito em baixa mesmo. As pessoas ficam mais em casa, onde tem pai e mãe”, diz. GM acha que o funk sobre superação é cativante neste momento difícil da pandemia do novo coronavírus: “Muitas pessoas na favela estão se contaminando. Eu tenho muitos amigos que se contaminaram. Está todo mundo desesperado, e essas músicas também pegam o pessoal por isso." Ex-motoboy e o 'despertador da favela' Luiz Felipe Messias Lopes, 19 anos, fez seu primeiro funk há seis anos, quando trabalhava em um ferro velho em Ilhabela, no litoral de SP, ganhando R$ 400 por mês. Fez outros bicos na Vila Ré, Zona Leste de SP, como distribuir panfletos e entregar pizza usando a moto de um amigo. Mas foi cantando sobre o veículo que ele achou uma saída. Ele foi um dos MCs que deu a cara deste funk atual. Entrou para a produtora Gree Cassua, que tem como um dos sócios do veterano DJ Perera, em 2015. Foi lá que conheceu Paulin e outros parceiros, que depois iriam para a Love Funk. “Comecei a querer a falar mais da minha realidade, do que eu vejo, do que os outros passam e eu passava", ele diz. "A gente falava de carro, mas não via nem carro direito. O que eu vejo na minha quebrada é moto passando para lá e para cá”, diz o ex-motoboy. A letra de “Olha esses robôs” ainda tem elementos da onda anterior do funk sexual. Mas foi o verso “o barulho do robozão é o despertador da favela” que fez a música de Lipi com Digo STC virar um hino instantâneo. Orgulho e 'robozão' Quem também ama uma moto, ou “robôzão”, é Paulin da Capital. Ele tem 24 anos e começou na música aos seis, tocando samba, incentivado pelo pai. Descobriu o funk aos 14, mas teve uma vida bem difícil até estourar o que ele chama de “funk de mandrake”. Quando era adolescente, gostava do estilo “proibidão”, que falava da realidade social de maneira ainda mais crua. Seus ídolos eram Felipe Boladão e MC Daleste, ambos assassinados. “O Daleste era da minha quebrada”, diz o MC do Jaú, ao lado do Jardim Três Marias, onde morava o ídolo. “Todo os funkeiros sentiram a morte, ele era bom demais”. A mãe de Paulin era faxineira. “A gente é de classe bem pobre. Não chegava a passar fome, mas necessidade”, ele diz. “Você começa a encostar com os caras que fazem a parada errada, acaba fazendo também. Eu era molecão”. Sua prisão por um assalto em 2014 abalou a família. Ele foi solto após quatro anos e conseguiu mudar de vida, ao entrar na mesma produtora de Lipi e GM. Eles viraram parceiros musicais que o ajudaram a achar outro caminho no funk e mudar seu destino. Com as músicas sobre moto, Deus e superação, Paulin é hoje o funkeiro mais ouvido no YouTube, e o 9º artista entre todos os estilos no Brasil. “Agora posso ajudar a minha mãe. É vitória e orgulho", ele comemora.
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